Há alguns meses estive em Recife, cidade onde Clarice Lispector viveu entre 1925 e 1934. Eu havia lido sua biografia, Clarice, escrita por Benjamin Moser e sua fotobiografia – Clarice Fotobiografia, por Nádia Battella Gotlib. Nesta última obra, havia lindas fotos de Clarice Lispector no segundo andar do casarão onde ela habitou na infância. Chegando lá, eu, feliz por poder ver e imaginar o que eu havia lido, me deparei-me com uma placa contorcida, consumida pelo tempo. Via-se uma tentativa antiga de fazer desta casa um ponto turístico.
Não me lembro bem o que a placa dizia: talvez algo sobre a autora, seus anos morando no andar de cima do casarão. Não me recordo. Lembro-me bem do estado do casarão: pintura descascada, com pedaços do teto quase caindo. Era possível ver o céu através dos buracos do teto. Em nada se parecia com a foto que guardei em minha memória, na qual Clarice, ainda menina, se apoiava no terraço da casa.
Ao virar para trás, havia uma praça muito suja, mal conservada e no seu oposto via-se a estátua de bronze de Clarice, também com uma placa desgastada. Clarice estava sentada com a máquina de escrever no colo, como era seu costume. Seus pés unidos ao chão tinham à frente muitos grãos de milho para atrair pombos. Quem teve esta ideia? Havia muitos pombos à sua volta e um na sua cabeça.
- Casa de Clarice
- Casa de Clarice Lispector
- Escultura de Clarice Lispector, na cidade de Recife
Aquela visita foi triste, uma sensação de solidão: a autora sentada na praça, tudo em péssimo estado de conservação, confirmando a permanente dificuldade de nosso país em cuidar de seu patrimônio histórico e cultural.
Ao chegar em minha casa, abri a Fotobiografia da autora e pude rever como um dia foi o lugar onde Clarice Lispector viveu na infância.
Deixo a vocês um trecho de uma crônica na qual Clarice relata sua viagem diária até Olinda para o banho de mar, considerado por seu pai como salutar se tomado antes do sol nascer:
“Eu não sei da infância alheia. Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu como promessa de felicidade para o futuro. Minha capacidade de ser feliz se revelava. Eu me agarrava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha encantada que era a viagem diária”.
Lispector, C. Banhos de Mar (1969), em Todas as Crônicas/Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.
Outra dica de leitura é “Felicidade Clandestina” para quem quer viajar para Recife e conhecer melhor Clarice Lispector. Pode ser encontrado em Todos os Contos/Clarice Lispector, organizado por Benjamin Moser, ou no livro que carrega o mesmo nome do conto.
Eu me pergunto: de onde vem nossa inclinação para estarmos ou sermos mais felizes? Ou infelizes? Em nossa vida, onde podemos buscar apoio interno para que ela seja mais leve e prazerosa? Quais fios do passado podemos “puxar” para diminuir sofrimentos?
Psicóloga formada pela Universidade Paulista. Psicanalista, especialista em Psicologia Clínica e Teoria Psicanalítica pela PUC e Mestre em Psicanálise pela Universidade São Marcos.
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