Abril de 2020
COVID 19. Então, tudo se transformou. O tempo se tornou estranho, nossas vidas se tornaram
estranhas.
Para nos sentirmos estáveis tomamos a vida sempre como imutável, permanente, mas
aproveito neste momento as palavras de Joan Didion “A vida se transforma rapidamente. A
vida muda num instante. Você se senta para jantar, e aquela vida que você conhecia acaba de
repente”.
Penso na vida e na morte, na vida que tenho, na que tive e na que virá… ainda é vazio.
Caminho no condomínio do meu prédio e não consigo olhar nos olhos dos meus vizinhos,
apenas o faço quando eles já passaram por mim e o “Bom dia ou Boa tarde” já não pode mais
ser contaminante. É estranho, tenho conhecidos no prédio, não sou uma pessoa calorosa,
então para mim a boa educação bastava. Mas, agora, viramos seres desviantes. É o que sinto
das pessoas quando saio de casa para fazer mínimas coisas na rua, as essenciais.
Essencial… esta palavra ganhou novo sentido e me pego longo tempo refletindo sobre ela.
Moro num prédio que é virado, no sentido de que forma uma espécie de “vale” de prédios,
que tem suas áreas de lazer visualmente conectadas, apesar dos muros. Meu andar é muito
alto. Outro dia, comecei a escutar um violino. O violinista estava no andar térreo de uma
dessas áreas de lazer e levou um amplificador. Tocou sua primeira música. Muitas pessoas
correram em direção as suas janelas e ele, educadamente, disse que iria tocar algumas
músicas e, caso alguém se incomodasse, poderia avisá-lo. E assim foi, as janelas foram se
enchendo e os aplausos também. Diversificou o repertório, confesso que meus olhos ficaram
marejados, especialmente durante as músicas clássicas. Lá embaixo, escreveu, em grandes
letras, seu nome para quem quisesse seguí-lo no Instagram. E assim, ocorreram mais duas
apresentações nas semanas seguintes. Seus espectadores foram muitos… Mas depois soube
que ele se retirou para fazer a quarentena em outro lugar. Sentirei falta.
Hoje à tarde, domingo, deitei-me para descansar e, vindo de outra direção, escuto o som de
outro violinista. Será sonho? Mas vou acordando e, ao estar de fato desperta, percebo que ele
toca esta música, Sorri, de Djavan:
Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz
Imagino que a escolha desta música não foi ao acaso, foi sua última música. Silêncio.
Penso na gratidão que tenho por essas pessoas que tem iniciativas tão delicadas, solidárias e
que alimentam nossos dias estranhos.
Didion, J. O ano do pensamento mágico. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2006.