Nossa Redoma
Nossa Redoma

Era um dia muito quente de verão. Foi inadiável a ida ao dentista, um dos lugares que eu mais temia naquele momento da pandemia.

Depois da luta para mudar de roupas, diferenciar o que era roupa de casa e roupa para sair, calçar os sapatos usados na rua e deixar os chinelos e, ainda lembrar de pegar a máscara, estava eu no carro, com imenso calor e a sensação de usar um escafandro.

Ao sair do carro tive a impressão de que, finalmente, tiraria o escafandro e respiraria. Entretanto, o calor permanecia insuportável e a máscara não poderia ser retirada.

Formou-se na minha mente uma imagem que tem origem no livro de Sylvia Plath, “A Redoma de Vidro”, embora seu texto faça referência à depressão. Nós, brasileiros, estávamos numa redoma de vidro, na qual morreríamos do nosso próprio ar. Ar contaminado pelo vírus. Sem vacina, sem diplomacia e, consequentemente, sem parcerias com outros países e sem possibilidade de cruzar fronteiras, morreríamos de nós mesmos. Desamparados, com olhares atônitos, com sorte e desespero, olharíamos a morte de perto.

 

Plath, S. A Redoma de Vidro. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2019.