PELES FRIAS – Sobre o medo, fobia e angústia
PELES FRIAS – Sobre o medo, fobia e angústia

A menina era pequena, talvez sete anos. Ela e sua mãe estavam num local onde havia um pequeno lago artificial no qual nadavam peixes ornamentais. Ao passar pelo lago a menina parou repentinamente. A mãe, com pouca paciência, lhe disse: “anda, vamos, são apenas peixes, coloridos e bonitos”. E a mãe se lembrou da própria infância, durante a qual não podia ter medo nem frescura. A menina, na sua aflição, colocou as duas mãozinhas no canto do rosto, como se pudesse fazer um pequeno muro que a separasse desses animais aflitivos.

Ainda mais nova ela começou a se incomodar com a aparência e textura das escamas de peixes. Com o passar de pouco tempo, quando um prato era servido e vinha com as escamas de peixe aparentes, a menina, angustiada, pedia gentilmente à mãe que as virasse para baixo de modo que ela conseguisse permanecer à mesa e realizar sua própria refeição. Com o tempo, a mãe passou a fazer isto de forma automática, então, era como se a aflição da menina desaparecesse. Todos à mesa poderiam ficar calmos.

Num outro momento, a menina caminhava em direção a uma sala de atividades lúdicas e viu um aquário de peixes. Ela parou, não conseguiria passar pelos peixes e a mãe lhe disse um pouco impaciente: “pare com isso, vamos passar pelo aquário, estou segurando suas mãos, se quiser pode até fechar os olhos.” E assim a vida seguiu, segurando as mãos da mãe e, por vezes, fechando os olhos e tateando o chão com as pontas dos pés. Os peixes ainda podiam ser controlados…

Começa, também, a ter medo de lagartixas. Ao falar delas, contorce o rosto e diz “que pele mais estranha e aflitiva tem esse bicho!”. Então, mãe e filha se deparam com um novo problema: lagartixas são bichos soltos, podem ser encontrados em qualquer lugar. Se estivesse andando na área externa de seu apartamento e visse uma lagartixa, imediatamente parava, chorava, tremia. A mãe segurava em suas mãos e lhe dizia, agora de forma mais paciente: “venha, estou aqui, lagartixas fogem, vem por este lado que você fica mais distante delas.”. A menina, tensa, corria em aflição.

Entretanto, seu medo foi piorando e um dia apareceu uma pequena lagartixa em seu quarto. A menina chorou desesperadamente e correu para outro quarto. Uma tia que estava junto pegou a vassoura, mas quando achou a lagartixa, olhou imediatamente para a mãe da criança: era uma lagartixa pequena, um filhote, que mal poderia lhes fazer? Onde estaria a mãe daquele pequeno animal? Tão indefesa a pequena lagartixa, mas não havia jeito, no outro quarto a menina estava aos berros. O assassinato foi realizado, mas a menina não parava, e agora urrava, mesmo sabendo que o pequeno animal estava morto. Gritava de forma desesperada. Não bastou saber que o animal estava morto.

Agora era a mãe quem estava perdendo seu controle, não por raiva ou irritação. Aqueles gritos infantis, desesperados lhe tiravam do prumo. Desde seu nascimento, a mãe sentia que o choro e o sofrimento da filha lhe traziam algo desesperador de sua própria infância e esse sentimento de impotência (pela sua infância ou pela da filha) lhe trazia profunda angústia. Então, a filha já não existia mais, era somente ela, andando sem rumo pela casa: não sabia por que andava, pra onde ia nem em qual tempo estava.

Seguiram-se os dias, as estações. Os verões eram mais difíceis. Na presença de animais de pele fria a filha paralisava, gritava e a mãe seguia fazendo o ritual de pegar em sua mão e correr para passar rapidamente pelos pequenos animais. Com o tempo, chegou a ter pena da filha que passava por eles e gritava, ao mesmo tempo que cobria a própria boca e pedia desculpas pelo incômodo causado a sua mãe. A mãe já lhe dizia que não havia do que se desculpar e que ela poderia gritar se isso lhe aliviasse. E ela foi crescendo, longe de mares, rios, sítios, qualquer lugar onde pudesse ter contato com animais de peles estranhas: lagartixas, sapos, peixes, lagartas. Por mais que a mãe pensasse, não conseguia entender de onde vinha esse medo, essa aflição e angústia. Colocava-se sempre a pensar tentando achar uma resposta…

POR QUE PELES FRIAS E ESCAMOSAS?

“Mãe, já ouvi dizer que temos medo apenas de animais reais, aqueles que podem chegar perto da gente. Não faria sentido ter medo de animais como dinossauros. Eles não existem.  Mas, mãe, por que este medo não passa? Isso me cansa… são tantos anos…..”

Aos quinze anos a menina comemorou seu aniversário num sítio, com vinte amigos. Havia meninos e meninas que comemoraram com muita alegria o aniversário de sua filha. Foram muitas risadas, brincadeiras de adolescentes, festa e fogueira ao anoitecer.

No decorrer da noite, durante os jantares e depois deles, a mãe percebe a gritaria das meninas aos menores insetos que apareciam. Observava meninas de 1,80 m de altura que gritavam e fugiam dos menores insetos imagináveis: pequenas moscas, besouros, sapinhos. A mãe pôde então rir e se tranquilizar de que poderia ser algo comum a todas elas e aos meninos, talvez manifestado de outra forma. Pegou-se sorrindo deste algo comum a todos. Diria respeito a que, à sexualidade, visivelmente presente, transbordante em seus novos corpos? À presença de um futuro que lhes é desconhecido?

“Mãe, de que forma posso me livrar disso?”  Sua mãe lhe diz de forma sincera “filha, talvez o tempo cure, talvez não. Se não, procurar um psicanalista talvez seja uma saída”. A filha escutou a fala da mãe e esta ficou quieta, olhando o horizonte e pensando: será que essas aflições passam? As angústias são permanentes, num formato ou noutro. Queria fazer algo pela filha, mas não conseguia enxergar mais nada. Pôs-se a pensar: por que o tempo não ajudava sua filha? Por que peles frias e escamosas? Nenhuma resposta…

De qualquer forma, a menina que se tornou adolescente passou a não recusar convites e passeios que poderiam levá-la ao encontro com esses animais, mas ainda seguia sem poder usufruir de banhos nos lagos, rios e oceanos.

Entretanto, outro dia o telefone da mãe tocou. Era a filha que havia ido à praia e ligava para contar sua grande novidade: “mãe, consegui! Consegui entrar no mar!”